28 de janeiro de 2007

O pobre pensante

Sendo decomposto, vivo, aos poucos pelos vermes do tédio, o pobre pensante ainda quer viver. Observa atento os nós desatados das ruas e os cantos mal pintados das cercas que protegem preciosas vidas, as quais não sabe se são melhores ou piores que a sua. Na angústia que sente, afirmava hesitante que são melhores, pois no seu poço, acha, é difícil descer mais. Tudo faz pensar e nada faz mudar.
Sempre mudo, recrimina-se por pensar tanto e observar tudo; as pessoas mais felizes são as que não vêem que a vida não é boa ou não entendem que poderia ser melhor. Estéril alma presenteada com o dom da reflexão que não sabe achar respostas, e se as acha, não sabe usar. Marceneiro que maneja serrote e martelo e é incapaz de construir um simples baú.
Triste vida a do pensante. Parar de pensar não pode e mudar o jeito de ver as coisas não consegue. Enquanto não se decide, pega todos os dias o mesmo trem, trocando o mínimo de palavras que necessita e achando tudo muito chato.
Sentar no gramando, sentir o vento, apreciar as nuvens - sublimes, saborear o chá, sentir-se anestesiado pela música; é o que alimenta sua pobre alma. Alma essa que não cresce, nem crescerá, se não se levantar e atar os próprios nós, pintar as próprias cercas e perceber que sua vida também é preciosa. Enquanto isso, coitado, fica olhando os pássaros e pensando...

27 de janeiro de 2007

Enforcamento

Entre o limite do lúcido e do inconsciente, com olhos pesados e mente cansada,
sem saber se o que está imaginando é mesmo das linhas que tenta ler
ou fruto do profundo da mente que já revela fantasias dos desejos mudos,
sente-se estremecer e os pés suar, o corpo sem força para a devida atenção
Uma mão balança a cabeça e empurra para um querer sem poder
A visão, já embaçada; as imagens, fora de foco; e o segurar do livro exige mais força que os dedos têm
É o sono amarrando a corda no pescoço, logo logo será enforcado;

Chutado o apoio, assim como caem as pálpebras é derrubado
Mas nenhuma vértebra se rompe e a asfixia do sono não é definitiva
Talvez o laço não esteja tão firme ou a corda não tenha o exigido tamanho
De um susto, volta à linha que não foi terminada
Saber o que havia nas que a precediam, não com o pescoço laçado
Treze meias palavras adiante e outra queda, mais sufocante agora
Chega até a ver personagens sobre quem não lia discutirem sobre algo que pensava
Mas o que vê parece que não agrada, sem saber que as coisas são diferentes quando se está pendurado,
volta a respirar com um gemido involuntário
A execução dessa noite parece não querer proceder, talvez não seja mesmo a hora do pobre coitado;

Confusos os segundos que o laço se desata, o que foi o que não era
Os sentidos aguçados chocam a mente que suspira com dúvida
Levanta-se, a visão escurece e o corpo formiga, sente-se tonto
Mão à cabeça, deixa o livro que ainda segurava na estante
Aos poucos, linhas tomam forma e reconhece no espelho o próprio semblante
Imagina-se livre e acordado e se lança porta afora, impune;

22 de janeiro de 2007

O copo sob o foco

Compramos mais cerveja, pra encher a nossa mesa
De garrafas e de risadas
De histórias das mais canalhas
De soluços e de impulsos
Que seria da nossa mesa, se não fosse essa clareza
Que nos sustenta e nos aguenta
Que mantém nossa amizade de pé em sua base
Faz a gente se dar conta que existe
Qualquer coisa que persiste
Que sempre nos levanta
E depois a gente canta e a gente dança
Já vira história que a gente lembra toda hora
A gente ri e a gente chora
E repete toda hora
E me traz mais uma que aqui só tem espuma

13 de janeiro de 2007

Perdição

Entre, as portas estão abertas
Dentro, você encontrará tudo que sempre procurou
Nada de aborrecimento, nada de tédio
Aqui, você estará salvo e verá florescer um paraíso

No começo, não entederá e se encontrará confuso
Matará toda tua sede em poucos goles
Não sentindo-se satisfeito continurá a devorar tudo o que vier pela frente
O fim parecerá ter chegado inumeras vezes, mas é tudo ilusão
Não existe fim, caso você não pule fora
Mas a simples lembrança do doce deleite te impedirá de não voltar

Por mais que doa por um tempo, por mais que pense em renunicar
A renúncia te custa muito caro, exije tanto coragem como persistência
Persistência, porém, você tem para continuar
Na sua mente, embaralhada, os momentos de êxtase te indicam o caminho mais fácil
E é tão mais fácil quanto prazeroso
Há quem diga que tudo isso é errado, mas errado, pra mim, é vago demais

Sinta-se a vontade, estique as pernas, encha tua xícara
Deslumbre-se da voluptuosidade dessa sala que sempre existirá
Talvez não seja eterno, mas é porque você não dura para sempre
Aqui encontrará muitos dos teus semelhantes
Todos muito bem ébrios ou iludidos
Esses, os eleitos, talvez sejam tua principal razão para ficar

Se em algum momento te encontrar como um criminoso, assuma teus castigos
Se em algum momento te encontrar como pecador, assuma teu purgatório
Sinto informar-te que ninguém pode fazer isso por você

Se te econtrar como ateu ou cidadão honesto, não há do que ter medo
Uma vez que não haja medo, goze até achar teus limites
O limite de tua alma, de tua mente e de tua carne

Tua consciência pode não ser tão útil aqui
Mas se da janela um vento deixá-la pesada, sentirá vontade de respirar o velho ar puro
Vá, mas eu te digo, você volta, pois esse é o teu refúgio
O refúgio de todo o mais que você encara com o olhar do tédio
De tudo o que você acha dispensável e chato mas é, na verdade, o que torna tudo fundamental


É mentira, talvez você saia, pode achar conveniente ou acabar por descobrir-se entediado
- triste parece sim, mas o parecer é também vago -
Pode ser que apenas se perca em cantos mais escuros, ou mesmo que prefira o ar da janela
Há quem prefira assitir tudo da varanda, há quem prefere não assitir
Há ainda os mais tolos, ou mais sábios, que preferem ficar avulsos a tudo
E viver ao perfume das flores e à sombra deitados no gramado
Mas isso, infelizmente, não é para qualquer um;